Muitas teorias da conspiração rondam o tema “nova ordem mundial”, quando na verdade trata-se de uma terminologia simples, mas que requer esclarecimento. O termo ordem mundial significa exatamente aquilo que aparenta, a estrutura política e econômica dominante no mundo. Após a segunda guerra mundial, emergiu das ruínas da Europa uma nova relação global de poder, caracterizada pelo contraste entre Estados Unidos e União Soviética. A competição militar e econômica entre esses dois países estabeleceu a essência própria da ordem política global, também chamada de Guerra Fria.
Após a queda da URSS, uma nova relação global emergiu, com os Estados Unidos saindo como vencedores e a Rússia emergindo da antiga União Soviética falida e derrotada. Essa nova relação global pode ser definida como o domínio da economia global e o controle das influências políticas sendo exercidos pelos EUA e seus aliados através das Nações Unidas. Tal realidade é ilustrada pelo famoso discurso do presidente George H. W. Bush em 1990, ao dizer que o mundo estava entrando em uma nova ordem mundial, ou seja, uma mudança da ordem anterior caracterizada pelo embate entre EUA e URSS.
Nas décadas subsequentes o mundo viu uma progressiva globalização em todos os sentidos, mas acima de tudo cultural. A cultura americana, propagada pelos filmes, música e outros meios de mídia tornou-se uma força a dissolver as culturas pelo mundo. Hoje, em praticamente qualquer lugar que se vá, a influência da cultura americana é facilmente observável, com muitos lugares se parecendo mais com alguma versão dos EUA do que com a própria cultura originária do local, isso se traduz por costumes, comida, roupas, etc. É primeiramente nesse sentido, e não apenas no econômico e político, que trata Alexandr Dugin ao formular sua quarta teoria política, ou a “nova” nova ordem mundial.
Alexandr Dugin é um professor universitário russo, famoso por ser o suposto “guru intelectual” de Vladimir Putin. Diversas são as fontes que ligam ambos e indicam que as ações de Putin são baseadas em sua filosofia, incluindo a invasão da Ucrânia. O objetivo da Rússia, nesse sentido, é o de realizar a passagem da atual ordem iniciada após a queda da URSS para um novo modelo, não mais controlado hegemonicamente pelos Estados Unidos e aliados, mas um modelo multipolar, capilarizado e heterogêneo, onde cada polo de poder tenha sua independência cultural, econômica e política. Nesse modelo, cada povo seria governado pelo seu “líder espiritual”, representante máximo da expressão cultural do espírito de cada povo. Essa passagem só poderia ser realizada pela falência ou destruição dos países hegemônicos, portanto, a invasão Russa da Ucrânia está alinhada com este objetivo. Ao restaurar os antigos territórios soviéticos, tendo acesso à grandes reservas de recursos naturais, a economia Russa seria muito fortalecida, dando a possibilidade de alcançar seus objetivos.
Tal ideia pode parecer também uma teoria da conspiração, mas muitos são os fatores que indicam que é exatamente isso que está em curso. Por exemplo, o termo “mundo multipolar” é uma terminologia muito usada por Dugin e é inclusive título de seu livro “Teoria do mundo multipolar”. No encontro realizado pelos BRICS no dia 23/10/2024 as falas de diversos líderes apontam para uma clara influência dessas ideias. O próprio presidente russo, Vladimir Putin, em seu discurso de abertura da reunião do bloco disse: “O processo de formação de uma ordem mundial multipolar está em curso, é um processo dinâmico e irreversível”. Muitos líderes de países aliados também passaram a utilizar o termo recentemente, incluindo o presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva. Na mesma reunião citada anteriormente, o presidente disse: “Agora é chegada a hora de avançar na criação de meios de pagamento alternativos para transações entre nossos países. Não se trata de substituir nossas moedas. Mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar que almejamos se reflita no sistema financeiro internacional”. As falas de ambos os presidentes deixam claro a influência do pensamento de Dugin não só na Rússia, mas nos países aliados dos BRICS, que veem na substituição do dólar como moeda global uma forma de implementar o mundo multipolar e suplantar a ordem hegemônica atual.
Ao que tudo indica, as ideias de Dugin realmente tem uma grande influência nos objetivos russos, e os BRICS estão alinhados com elas. Os BRICS são a ferramenta pelo qual a Rússia irá substituir o sistema financeiro atual por um novo, formando uma nova estrutura econômica global. O que virá a partir daí fica difícil dizer. É necessário um estudo aprofundado das obras de Dugin para compreendermos os rumos da política global, pois está cada vez mais claro que sua influência é maior do que muitos especialistas gostariam de admitir.