Vivemos rodeados por números. Do contador de passos no celular ao número de curtidas nas redes sociais, tudo parece precisar ser medido. No trabalho, na academia, na vida pessoal – cada atividade precisa ter um indicador que prove que estamos “progredindo”. Mas até que ponto essa obsessão por métricas faz sentido? Será que estamos realmente vivendo melhor ou apenas tentando alcançar metas que, no fundo, não significam nada?
O problema não é medir. A questão está em transformar os números no próprio objetivo, como se eles fossem mais importantes do que a experiência real. No trabalho, por exemplo, muitas empresas acreditam que produtividade significa mais reuniões, mais e-mails respondidos, mais horas registradas no sistema. Mas será que alguém está de fato resolvendo alguma coisa ou só correndo atrás de bater números bonitos para o chefe? Quem nunca participou de uma reunião que poderia ter sido resolvida com um simples e-mail? Ou passou horas preenchendo um relatório que ninguém realmente analisa?
Na vida pessoal, acontece o mesmo. Quantas vezes saímos com os amigos? Quantas horas de leitura no Kindle? Quantas séries maratonadas no mês? O sucesso virou um monte de gráficos e estatísticas. Se o aplicativo de exercícios aponta que os treinos diminuíram na semana, pronto, a culpa aparece. Se a foto no Instagram tem poucas curtidas, parece que não valeu a pena postar. Tornamo-nos reféns de números que, no fundo, não dizem nada sobre a qualidade das experiências que temos.
O mais irônico é que, na tentativa de melhorar a performance em tudo, acabamos sabotando o próprio bem-estar. Em um atendimento ao cliente, por exemplo, o funcionário precisa resolver tudo em poucos minutos para manter o índice de “eficiência”. O que acontece? O cliente sai frustrado, o problema volta e o ciclo se repete. No trabalho, os funcionários ficam mais preocupados em preencher relatórios mostrando que estão ocupados do que em fazer algo útil de verdade. Em alguns casos, a pressão por métricas faz com que profissionais passem a manipular dados para atender às expectativas – o que deveria ser um instrumento de melhoria vira uma distorção da realidade.
E quando os números tomam conta da saúde? A balança virou uma espécie de juiz moral. Comer bem e se sentir bem não importa tanto quanto ver um número menor na tela. A academia vira um desafio de quantas calorias foram queimadas, não de como o corpo responde ao exercício. O foco passa a ser no resultado que aparece no aplicativo, não no próprio bem-estar. Quantas pessoas se forçam a correr quilômetros que odeiam, apenas porque o relógio inteligente mostra que estão abaixo da meta? Em vez de tornar a vida mais saudável, os números acabam gerando culpa e frustração.
Até o lazer se transforma em um jogo de métricas. A quantidade de filmes assistidos no ano vira motivo de orgulho, mas será que algum deles realmente impactou? Os aplicativos de música mostram quantas horas de áudio foram consumidas, mas será que houve, de fato, um momento de apreciação? Ler 50 livros no ano pode parecer um feito impressionante, mas qual foi a profundidade dessa leitura? Esse tipo de métrica gera um falso senso de realização – afinal, se o número está alto, significa que estamos indo bem, certo? Mas será que estamos?
A obsessão por números também influencia nossas relações. A quantidade de mensagens trocadas com um amigo se torna um indicativo de proximidade. O número de encontros de um casal é visto como um termômetro da relação. Se os registros caem, a ansiedade cresce. Mas será que quantidade é realmente o que importa? Não seria melhor ter menos encontros, mas mais significativos? Nem sempre um jantar compartilhado vale mais do que uma conversa sincera no fim do dia.
Essa cultura da medição constante cria uma ilusão de controle. Se conseguimos rastrear tudo, temos a sensação de que estamos no comando da vida. Mas será que esse controle não está nos controlando? Quando tudo é quantificado, perdemos a capacidade de simplesmente viver. O tempo passa a ser gasto ajustando números em aplicativos, comparando estatísticas com os outros e buscando alcançar metas que nem sempre fazem sentido. Em vez de aproveitar um momento, estamos preocupados em registrá-lo da maneira mais eficiente possível.
Não significa que números sejam inúteis. Claro que há contextos em que métricas são essenciais, como na gestão de empresas, na pesquisa científica ou no planejamento financeiro. O problema surge quando as métricas se tornam um fim em si mesmas. Quando passamos a buscar resultados sem nos questionarmos se eles realmente fazem sentido. Se um número alto não representa qualidade, será que vale a pena persegui-lo?
É preciso resgatar a noção de que nem tudo precisa ser contado, registrado ou transformado em uma competição. Nem sempre o livro mais curto lido no menor tempo é o que mais ensina. Nem sempre a produtividade que parece alta no relatório significa que algo de valor foi realmente feito. Nem sempre mais reuniões significam mais alinhamento entre as equipes. Nem sempre um maior número de seguidores em uma rede social representa influência real. No fim das contas, talvez a melhor métrica não esteja em um gráfico ou planilha, mas na forma como cada um se sente em relação ao que faz. Se há satisfação, se o que se produz tem impacto real e se há prazer no processo, então os números deixam de ser uma obsessão e voltam a ser apenas o que deveriam ser: uma ferramenta, e não um fim em si mesmos.
O grande desafio não é eliminar as métricas da vida, mas usá-las de maneira inteligente. Ao invés de medir tudo, devemos nos perguntar: essa métrica faz sentido para mim? Esse número realmente reflete algo importante ou apenas me faz sentir ocupado e produtivo? Estamos nos comparando com os outros porque queremos melhorar ou apenas porque fomos condicionados a achar que precisamos estar sempre em ascensão?
A vida não é uma competição de produtividade. Nem tudo precisa ser transformado em números, estatísticas e metas. No final, o que realmente importa não pode ser medido. São as conversas que nos marcaram, os momentos que nos trouxeram alegria, as experiências que nos fizeram crescer. Tudo isso escapa das métricas, e talvez seja justamente aí que está o que realmente vale a pena.