A partir do excerto do texto “La pensée et le mouvant” de Bergson pode-se retirar uma questão clássica da filosofia, a representação da realidade pela linguagem. Diz Bergson: “(…) As coisas remetidas aos seus conceitos, os conceitos organizados entre si, chega-se finalmente a uma das ideias, pela qual se imagina que tudo se explica. Na verdade, ela não explica muita coisa, primeiramente porque aceita a subdivisão e a repartição do real em conceitos que a sociedade consignou na linguagem, o que foi feito na maior parte das vezes visando simplesmente à comodidade; em segundo lugar porque a síntese que esta ideia das ideias opera de seus conceitos é vazia de matéria e puramente verbal. Pergunta-se como este ponto essencial escapou a filósofos profundos, e como eles puderam crer que caracterizam, fosse ao que fosse, o princípio erigido por eles em explicação do mundo, embora se limitassem a representá-lo convencionalmente por um signo”.
A discussão sobre a representação do real pela linguagem é antiga, a querela secular entre realistas e nominalistas já é bem conhecida. Que a filosofia procede por conceitos, ou ideias, em relação às coisas, é algo que remonta à Platão com o estudo das ideias e à Aristóteles com a forma como conceito de cada coisa, cada qual com suas nuances. Cossuta defende que a filosofia não apenas utiliza os conceitos, mas os constrói ativamente.
Isso implica que os conceitos não preexistem à reflexão filosófica, mas emergem justamente de sua atividade. Essa construção é uma das principais formas de trabalho da filosofia, e sua expressão oscila entre a abstração lógica estrita e o uso de metáforas e linguagem subjetiva.
A força dessa perspectiva está na capacidade dos conceitos de criar um universo de significação autônomo, mas internamente coerente. A ideia de que “uma densa rede de categorias tende a produzir um quadro de inteligibilidade do real”, apresentada por Cossuta, sugere que os conceitos filosóficos não apenas refletem o mundo, mas podem o moldar, oferecendo estruturas interpretativas que tornam a experiência humana mais inteligível. Essa noção de mediação enfatiza que a filosofia, ao trabalhar conceitos, não se fecha sobre si mesma, mas se abre para o real, criando novas formas de compreensão ou mesmo alterando a realidade ao modificar a forma como se enxerga o mundo.
É verdade que modernamente muitas são as críticas à filosofia e a sua capacidade de explicar a realidade de fato, pois ela mesma é a responsável por isso. Bergson cita duas críticas contundentes à perspectiva de que o conceito consegue representar a realidade: Os conceitos muitas vezes refletem visões convencionalizadas da realidade, criadas pelas demandas práticas da sociedade e o vácuo de significado de certas doutrinas que, embora bem articuladas, não apresentam qualquer substância ou relação com o mundo vivido.
É interessante notar que a filosofia é o único campo do saber que duvida da própria capacidade de explicar os objetos que estuda de forma fundamental. Não apenas duvida da capacidade de representação da linguagem em relação aos conceitos, mas duvida mesmo da possibilidade de se conhecer algo verdadeiramente, quiçá o expressar através dos signos. Realistas x nominalistas, racionalistas x empiristas, etc. A história da filosofia é cheia desses intermináveis embates, o que filosoficamente representa uma riqueza, para fora dela representa uma fraqueza, pois não apresenta uma unidade de concordância. Assim, não se pode competir com outros campos do saber que além de produzir coisas na prática, tem certeza daquilo que propõem. O que a filosofia pode propor para o mundo se internamente não há unidade de certeza em relação a praticamente nada?
As ideias metafísicas foram soterradas pelos milagrosos avanços da física e química modernas, perdendo espaço em todas as áreas a ponto de não ter mais o prestígio que outrora possuía. O transcendente perde espaço para o terreno, o abstrato para o pragmático. As antigas concepções são de que a alma(ou mente) tem impressões das coisas na realidade e a partir disso forma suas ideias(ou conceitos), então as exprime a partir da linguagem(“As ideias são em mim como quadros ou imagens”, Terceira Meditação – Descartes). A problemática está justamente entre a ligação do ato de ter uma ideia e expressa-la de uma forma que a outra pessoa tenha acesso à exata mesma ideia que se tentou compartilhar. Aparentemente o debate continuará, gerando uma riqueza de perspectivas e conhecimentos, mas que não irá proporcionar uma concordância geral interna na filosofia.