“Metafísica” é um nome posterior, dado por Andrônico de Rhodes, ao organizar os tratados de Aristóteles que ficaram perdidos por muitos anos. Após a organização, percebeu que alguns textos não tratavam de nenhum tema conhecido, e lhes deu o nome de metafísicos(após a física), para designar aqueles textos que vinham sequencialmente após os textos físicos. O termo então entrou para a história e até hoje é utilizado. O livro em si é um retalho de vários textos, que aparentam ter sido escritos em épocas diferentes e não apresenta uma unidade completa, pois em cada parte do texto Aristóteles dá nomes diferentes para o tema estudado e também formula conceitos de formas diferentes.
O próprio Aristóteles, porém, nunca usou este termo, em seus estudos o nome mais comum dado à essa área do saber é “filosofia primeira”, para diferenciá-la das outras ciências, como a física(filosofia segunda) e da matemática. Ele explicita que, caso não existisse nada além do mundo físico, a física seria a filosofia por excelência, mas como aparenta haver, ela fica abaixo, pois há algo que a transcende e a fundamenta. A filosofia primeira é o estudo mais elevado, investigando aquilo que é comum a todos os seres e que serve como base para todas as outras áreas do conhecimento, tendo assim um caráter universal.
Aristóteles elenca alguns objetos de estudo para sua ciência que procura fundamentar toda a realidade. Por ser uma empreitada ampla e complexa, muitos objetos podem ser indicados, mas essencialmente, temos os seguintes: etiologia(ou a ciência das causas primeiras), ontologia( ou estudo do ser enquanto ser), ousiologia(ciência das substâncias) e a teologia(estudo do theos, substância primeira, ou deus). Todos estes campos se interrelacionam, formando o corpo de um sistema filosófico integrado.
A ontologia estuda a existência dos entes por si, o estudo da existência por si mesma. “O ser se diz de muitos modos”, disse Aristóteles. Essa existência se dá em dez categorias possíveis(ou modos de ser), sendo estas: substância, quantidade, qualidade, relação, ação, paixão, lugar, tempo, situação e posse. Destas categorias, a mais própria do ser é a substância(ousia), pois todas as outras se referem à ela.
Aristóteles enxerga a realidade como constituída de uma estrutura similar à linguagem, e a linguagem por sua vez, funciona como a realidade. Essa estrutura se traduz por s é p, ou sujeito mais predicado ligados pela cópula “ser”. Nesse sentido, a substância é propriamente o sujeito, e as outras categorias seus predicados. Não falamos “o branco é”, falta algo para que o branco se aplique, “o homem é branco, o carro é branco”, ele não tem existência própria, são acidentes, enquanto a substância é o essencial.
A substância é, por definição, o que está por baixo, que alicerça sem se alterar. Ela é a definição de algo(gênero próximo + diferença específica), sendo um universal, pois todo ente é uma substância, e um particular, pois cada ente é único. A substância se divide em matéria e forma. Pois enquanto definição, não precisa de matéria, mas para existir na realidade, precisa. A substância é mais propriamente a forma, mas ela só pode se manifestar no mundo através da matéria, formando uma união de ambos, que Aristóteles chama de sínolo. A matéria necessita da forma para ser algo, sem forma tudo seria um amontoado sem sentido. A forma dá o fim à matéria, sua finalidade/função. Os tijolos separados de uma casa não formam uma casa, apenas quando a matéria é arranjada de uma forma específica adquire sua função de casa. Assim como ossos e carne amontoados não formam um ser humano, nem o dedo fora do corpo tem função. Eles só adquirem função dentro do todo.
Se a forma pode ser compreendida sozinha, o que dá a junção entre forma e matéria? Ato e potência. São os princípios do movimento que compõem toda a realidade e natureza, e portanto, todas as substâncias. A matéria tem a potência(possibilidade,capacidade) de ser várias coisas, quando se torna algo, adquire uma forma, que é o ato(enteléquia,enérgeia). Mas mesmo ao se transformar ela pode se transformar novamente, pois pode ser várias coisas em potencial. Assim se dá o movimento(transformação,atualização) das coisas, pela passagem de potência a ato sucessivamente.
O tempo é a circunstância em que o movimento acontece. Não há nada antes ou depois do tempo, pois o antes é tempo e o depois também. O tempo é eterno. Tudo o que existe é movimento no tempo. Se o tempo é eterno e o movimento ocorre no tempo, o movimento é eterno, e qual a causa do movimento? Aristóteles então elenca uma série de condições para que se chegue à causa desse movimento. A causa precisa ser eterna, pois se o tempo é eterno, ela precisa acontecer desde sempre. Também não pode ser móvel, pois a causa inicial precisa ser imóvel para causar o movimento, caso não fosse imóvel não seria a causa primeira, pois teria sido movida anteriormente, resultando em uma regressão ao infinito. Deve ser pura forma sem matéria, pois a matéria está sujeita à mudanças e degradação. É ato puro e constante, pois se fosse potência poderia tornar-se outra coisa e não mais atualizaria o tempo e movimento da realidade. Precisa acontecendo a todo tempo, atuar constantemente e eternamente. Eterna, imóvel, ato puro e pura forma. Chega assim ao seu conceito de primeiro motor imóvel, a causa de todas as coisas, que permanece inalterada enquanto move todas as transformações da natureza desde sempre e até o fim dos tempos. É a fonte de tudo quanto existe. Essa causa primeira recebe o nome de theos(Deus), e seu estudo consiste na teologia, ou estudo do divino.
Mas o ato de “causar” não se dá de uma única forma, Aristóteles formula então sua teoria das quatro causas. Causa formal(qual a essência da substância. Ex:ser vivente racional), causa material(qual o elemento sensível que compõe a forma. Ex:carne e osso), causa eficiente(o que originou o movimento da substância, quem fez), causa final(qual a finalidade da substância). Tudo o que existe é causado nestes quatro sentidos ao mesmo tempo. Uma casa tem sua definição, uma matéria da qual é formada, alguém que a construiu e um porque de ter sido feita. A forma dá a finalidade à matéria, sendo gerada por algo ou alguém. Se tudo tem uma finalidade, então cada coisa só será plenamente o que deveria ser se cumprir a função para qual foi criada. Aristóteles chama isso de “enteléquia”, ou o a atualização da potência para seu estado perfeito. A entelequia ocorre quando a forma realiza completamente a potencialidade contida na matéria(Ex: A semente é uma planta em potência. Quando cresce e dá frutos, atinge sua entelequia como planta).
Se tudo quanto existe é existe a partir dos conceitos estabelecidos, então Deus, como causa primeira, é o motivo da existência de tudo, sendo a causa final(o propósito,thelos) da realidade, e todas as coisas são atraídas para ele. Desta forma, os objetos de estudo da metafísica se relacionam para criar um sistema que explica a realidade em seus aspectos mais fundamentais e essenciais, desde o ser enquanto ser, as substâncias, as causas primeiras, até chegar em Deus e no movimento da natureza.
Esse sistema teve grande influência na história da filosofia, principalmente no período escolástico, ao ser compatibilizado com o cristianismo por São Tomás de Aquino. Suscitou muitos apoiadores e críticos, sendo alvo constante de ataques no período moderno e contemporâneo, que se configura como sendo profundamente anti-aristotélico.
Sua sede de conhecimento era tanta, que criou divisões de classificação dos conhecimentos. Dividiu os conhecimentos em: teoréticos(aqueles que buscam o saber pelo saber), compostos pela filosofia, física(que hoje incluiria a química e a biologia); práticos(que orientam a ação humana), compostos pela ética e política; produtivos(que produz coisas úteis ou belas), composto pela poética, retórica e demais saberes do mesmo tipo. Obviamente, como tudo em Aristóteles, ele elenca entre esses o tipo de saber superior e mais próprio do ser humano, o teorético. Ele considera o saber teorético como o mais elevado porque seus objetos de estudo têm fim em si mesmos, não estando subordinados a nada por utilidade. O saber das causas primeiras não é útil para nada a não ser o próprio conhecimento, não guia a pólis, muito menos produz algo.
Durante séculos, Aristóteles foi considerado “o filósofo”, tamanha sua reputação e respeitabilidade. Além da metafísica, seus estudos tinham como objeto os mais diversos campos do saber. Fundou diversas ciências, como a biologia, sendo visto como ponto de partida para os estudos empíricos da realidade. É autor da famosa frase “nada há no intelecto que não tenha primeiro passado pelos sentidos”, tão bradada pelos empiristas britânicos do séc. 17 e 18. Foi um gênio, polímata, com um pensamento tão extenso que buscava abarcar toda a realidade, tendo sido um pilar essencial no desenvolvimento do pensamento ético, moral, científico e filosófico. E continuará a ser estudado e relevante por muitos séculos.