Quando uma Lei é justa?

Quando nos deparamos com questões sobre a natureza e a origem das leis, somos levados a uma profunda reflexão sobre justiça e moralidade. A antiga tragédia grega Antígona nos apresenta um dilema atemporal: seria a justiça algo que emana puramente das instituições humanas, ou existiria uma fonte mais elevada de valores morais que transcende nossas construções sociais? Esta pergunta fundamental ecoa através dos séculos e continua relevante em nossos dias, manifestando-se nas tensões entre leis estatais e valores universais. De sociedades antigas às contemporâneas, pessoas têm buscado compreender se existem verdades absolutas que pairam acima das convenções humanas, ou se nossa compreensão de justiça é sempre relativa ao contexto social e histórico em que vivemos.
Quando nos deparamos com questões sobre a natureza e a origem das leis, somos levados a uma profunda reflexão sobre justiça e moralidade. A antiga tragédia grega Antígona nos apresenta um dilema atemporal: seria a justiça algo que emana puramente das instituições humanas, ou existiria uma fonte mais elevada de valores morais que transcende nossas construções sociais? Esta pergunta fundamental ecoa através dos séculos e continua relevante em nossos dias, manifestando-se nas tensões entre leis estatais e valores universais. De sociedades antigas às contemporâneas, pessoas têm buscado compreender se existem verdades absolutas que pairam acima das convenções humanas, ou se nossa compreensão de justiça é sempre relativa ao contexto social e histórico em que vivemos.

Antígona é uma das tragédias gregas mais famosas de todos os tempos. Desde sua primeira encenação, em 441 a.c, passaram-se milhares de anos, e durante esse tempo, incontáveis são suas citações por autores e sua influência na cultura é inegável. Seu tema principal é conhecido como sendo o contraste entre direito natural e direito positivo, encarnados respectivamente por Antígona e Creonte. Ela crê que certas leis são divinas, e que devem ser seguidas independentemente da vontade dos governantes, pois a lealdade dos homens deve ser primeira para com os deuses. Já Creonte, embora admita as leis dos deuses, tenta se sobrepor a ela por estar cego de raiva, fazendo prevalecer a lei dos homens e a autoridade do estado.

A questão que se levanta é se a origem da justeza de uma lei provém da constituição de uma cidade, onde dentro do aparato burocrático ela é correta, ou existe uma instância externa, que é passível de se sobrepor às leis do estado? E ainda, de onde provém essa autoridade? Geralmente, se vê a fonte dessa autoridade externa como provinda de algum deus ou deuses. Para os gregos, os deuses estavam presentes em todas as instâncias da vida, e isso se refletia em suas leis. Caso um homem, mesmo rei, tente desobedece-las, sofrerá inevitavelmente as consequências, como Creonte.

Durante toda a idade média até os tempos modernos a origem foi atribuída ao Deus cristão no ocidente. No oriente médio a constituição da maioria dos países é o livro sagrado Islã, o alcorão, unindo literalmente a lei do estado com a lei divina. Nos tempos contemporâneos, os países buscaram desenvolver leis laicas, com forte inspiração no humanismo, sendo esvaziadas de qualquer referência externa para sua validade. Mas a reflexão continua inevitável, existem valores realmente transcendentais? Se não, o que vale é o que cada povo institui como válido? Existe uma verdade objetiva que independe das aparências, ou a verdade é aquilo que me aparenta? Diversas correntes filosóficas dão respostas diferentes em relação a isso e durante a história ela se mostrou de diversas formas. Podemos ver esta dicotomia no embate entre Platão e os sofistas, os cristãos e Roma, e em grande medida na relação entre religiosos e o estado laico.

No segundo capítulo do livro “Eichmann em Jerusálem”, de Hannah Arendt, Eichmann(alto oficial nazista responsável pela logística de transporte dos prisioneiros judeus aos campos de concentração) se apresenta ao tribunal e sua defesa diz: “Eichmann se considera culpado perante Deus, não perante a lei”. Isso demonstra perfeitamente a distinção da Antígona de Sófocles. Dentro das leis do estado nazista, ele poderia se considerar absolutamente inocente, pois não fizera nada que contrariasse a constituição e as leis, pelo contrário, fora um exímio funcionário e cidadão. Mas perante Deus vê sua responsabilidade, pois considera que somente fora do escopo do estado Alemão pode residir sua culpa, admitindo uma instância externa de onde provém um juízo de valor em relação aos seus atos.

Se não há nenhuma fonte externa de autoridade, se é o estado a única autoridade, então como avaliar como fundamentalmente errado os massacres cometidos por Stalin? Ou os milhões de judeus mortos pelo governo nazista de Hitler? Como podemos falar de “crimes contra a humanidade”? O que sobra é a opinião de um povo em relação à outro, de um estado em relação ao outro, e não algo de fundamentalmente errado. Para haver esse algo fundamental, é necessário que haja uma fonte de juízo de valor absoluta, imutável, que esteja fora e acima dos estados e das leis dos homens. Se não, o que resta é opinião, aparência.